Mais vulneráveis ao câncer
Estudos do Brasil e do Exterior revelam que as regiões Sul e Sudeste do País apresentam a maior concentração mundial de portadores de uma síndrome que eleva em até 90% a chance de uma pessoa desenvolver tumores
Mônica TarantinoUMA FAMÍLIA CORAJOSA
A família de Andréa Domingues da Silva, 29 anos (na foto, de vestido),
possui vários portadores da síndrome que deixa as pessoas mais propensas ao câncer.
Após 24 integrantes se submeterem ao teste que identifica o problema,
três irmãos, a mãe, um tio e uma prima descobriram-se portadores da mesma alteração genética
que deixou Andréa com as defesas abertas para a doença.
Aos 7 anos, ela tirou um tumor da glândula suprarrenal e perdeu um rim.
Depois, extraiu um tumor do pulmão e agora faz monitoramento de nódulos pulmonares.
Ciente do que representa ter a mutação, a família fala sem reservas sobre o risco
de câncer e está disposta a contribuir para o entendimento da doença.
“Isso ajuda a saber o que aconteceu com a Andréa, que lutou e venceu o câncer,
e com outros parentes”, diz a mãe, Angelina, 57 anos. O tio Benedito, 69 anos (de camisa azul),
também é portador da síndrome e acaba de fazer um check-up. “É melhor saber das coisas”,
diz ele, que tem sob monitoramento um nódulo de tireoide e perdeu um neto
de três anos com tumor cerebral. Adilson, irmão de Andréa, 30 anos, aguarda o resultado
do teste da filha, Pietra, de 8 meses, para saber se a criança tem a alteração genética.
“Importante é que podemos nos prevenir”, diz. Adriane, 25 anos (ao lado de Adilson), tem a síndrome,
mas nunca desenvolveu câncer. Os cuidados regulares dessa família contra
o câncer exigem persistência. Para os Silva, é necessário percorrer 400 quilômetros de Turvolândia,
em Minas Gerais, onde a maioria reside, até São Paulo para fazer consulta médica.
Até hoje, essa síndrome era considerada uma doença rara. Mas pesquisas realizadas por cientistas brasileiros com apoio de pesquisadores franceses estão revelando que, aqui no País, sua incidência não é baixa. “Uma a cada 330 pessoas nascidas nas regiões Sul e Sudeste do País é portadora”, afirma a médica Maria Isabel Achatz, diretora do Departamento de Oncogenética do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo, e líder dos estudos sobre a doença no País. É a maior concentração de casos de Li-Fraumeni no mundo. Para se ter ideia de quanto a taxa brasileira é elevada, nos Estados Unidos, por exemplo, a enfermidade acomete uma a cada cinco mil pessoas.
PREVENÇÃO
Hainaut, da OMS, estuda a melhor forma de
preparar os médicos para identificar a síndrome
Os cientistas estão em busca da resposta para a alta incidência da doença por aqui. A explicação encontrada é que o gene com a mutação, que dá origem à síndrome, foi disseminado por um tropeiro português que circulou pelas regiões Sul e Sudeste no século XVIII. Porém, tão importante quanto comprovar esse achado é criar mecanismos para vencer os desafios que o grande número de casos traz para o País. “É uma questão de saúde pública”, disse à ISTOÉ o cientista Pierre Hainaut, chefe da Divisão de Mecanismos Moleculares da International Agency for Research on Cancer, órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS), na França. Ele é parceiro de Maria Isabel na pesquisa.
De fato, diante de tantas pessoas tão suscetíveis ao câncer, é preciso adotar algumas medidas importantes na rede pública de saúde. Uma delas é garantir o acesso ao exame que identifica a mutação genética e assegurar, aos seus portadores, a realização dos testes necessários para prevenir e detectar precocemente os tumores. Atualmente, as famílias nas quais há casos são acompanhadas em programas especiais de pesquisa, como o realizado no hospital A. C. Camargo, em São Paulo. No Paraná, bebês identificados com a mutação serão monitorados até os 15 anos. “Mas o acompanhamento dos portadores deve se prolongar por toda a vida”, diz José Roberto Goldim, professor de bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “E também é fundamental examinar e acompanhar seus familiares.”
VIGILÂNCIA CONSTANTE
Os dois filhos da comerciante Selma Gromboni, de Jaú (SP), têm a síndrome.
Mayara, 14 anos, enfrentou o primeiro tumor aos 7. Era do tipo linfoma e foi logo retirado.
Três anos depois, surgiram sarcomas na escápula e na coxa. Os médicos de Jaú acharam
o caso incomum e encaminharam a garota para o hospital A. C. Camargo, na capital paulista,
onde ela foi identificada como portadora da Li-Fraumeni. Em 2008, foi retirado mais um tumor
da coxa e há quatro meses nova cirurgia extraiu tumores no ombro e sob o braço.
”Minha filha diz que, se vier mais um nódulo, ela tira e pronto. Mayara é autoconfiante
e dá exemplo ao irmão”, diz Selma. Marcelo, 20 anos, está tratando um glioblastoma,
tumor situado em área inoperável do cérebro. O pai deles, Carlos, faleceu em 2005
com vários tumores, mas a hipótese de ter a síndrome não foi levantada.
Selma diz que o fato de muitos médicos não conhecerem a doença atrapalha.
“Isso ajudaria muito no tratamento de jovens como os meus filhos.”
Atualmente, os pesquisadores do Inca discutem o que deve ser feito em termos populacionais e reavaliam os casos por eles atendidos para encontrar portadores da doença. Outra iniciativa está sendo preparada pela OMS. “Estamos desenvolvendo no Brasil um modelo educacional para informar a população e capacitar os médicos, que precisam aprender a reconhecer os sinais da síndrome”, disse Pierre Hainaut. “Pretendemos usar esse modelo em outras partes do mundo.” O médico Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto de Câncer de São Paulo, concorda com o especialista francês. “A grande necessidade no Brasil é preparar os médicos para ficarem atentos, localizando as famílias de risco. A orientação do que fazer, e como se prevenir, deve ser feita caso a caso”, diz o oncologista.
PRÁTICA
A oncogeneticista Maria Isabel lidera os estudos no
País e orienta portadores atendidos no Hospital A. C. Camargo
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